sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Dinheiro, muito dinheiro...

Ler é um verbo que engana, como quase todos os outros verbos transitivos. Não se sabe, nesse caso, o que leram. Por isso, deveriam ser criados novos verbos, intransitivos, que expressassem de uma só vez todo o sentido da leitura. Não darei exemplos , até porque nem de perto tenho a presteza do João Guimarães Rosa. Com a criação desses verbos, evitaríamos prolongar conversas inúteis e situações constrangedoras. Eu não perderia dez valiosos minutos da minha vida ouvindo as desventuras de um casal-que-comprou-um-cão-e-não-sabia-como-criá-lo-mas-aos-poucos-se-apaixonou e blá blá blá. Ao ouvir o novo verbo criado para esse tipo de leitura, nem me daria ao trabalho de perguntar o assunto. Simples assim.

Mas esse post não é sobre verbos, como o título indica, embora, de alguma maneira, o verbo ler o tenha desencadeado. O post é sobre dinheiro. Muito dinheiro. E sobre pessoas babacas. Porque um não vive sem o outro. Podem chamar de inveja, dor-de-cotovelo ou coisa que o valha. Eu não me importo. Prefiro ser pobre do que gostar do que os ricaços gostam. Há quem defenda que são apenas os novos ricos, que os quatrocentões não são bregas e tal, mas eu extendo o racicínio a todos os afortunados. Também há babacas entre os pobres. Na realidade, há babacas em todos os lugares, em maior número do que as pessoas legais. Eu mesmo devo ser um babaca. Mas não no sentido desse post.

Pois bem. Peguei uma revista, cujo nome prefiro omitir, mas que lembra muito a terceira pessoa do singular no gênero masculino, para dar uma olhada no banheiro. Leitura de privada pode ser qualquer coisa, menos densa. Não há tempo hábil para reflexão. Revistas são a companhia perfeita. Mas este post não é sobre banheiro ou leitura de banheiro. É sobre dinheiro. Muito dinheiro. Folheando as páginas, me deparei com uma seção intitulada "Deluxe". Honestamente, não sei se é parte de todas as edições ou foi uma seção criada exclusivamente para a edição natalina. Não importa. A chamada da seção era uma frase em inglês - o cúmulo da breguice nacional - "Make a wish. Aproveite o fim do ano e eleve a dose de glamour do seu natal". Nas páginas a seguir, fotos com presentes "deluxe". Começava com presentes modestos. Perfumes na faixa dos R$300,00. É menos do que um salário mínimo. A seguir, relógios que iam de R$21 mil a extratosféricos 196 mil reais. Puta que o pariu! Quase 200 mil reais num relógio! A monstruosidade continuava, com celulares de R$7,5 mil, sapatos de 10 paus(!) e lenços valendo milão.

Inconformado, procurei outra página. Achei outra seção, "Fashion Estilo". Lá estava uma retardada falando sobre as coisas que tem. Produtos subfaturados da Daslu, bolsas, sapatos, maquiagem. Decido pular algumas páginas para não vomitar. Entrevista com uma estilista. Gosta de férias em Saint-Tropez, bolsas Dolce e Gabbana e festas que fecham a rua. Próximo!!! "O que vestem as party girls?", pergunta a infame revista. "No verão de Ibiza, microvestidos verde-elétrico e turquesa", responde, sem medo. E tinha muito mais. Decidi não encostar mais naquela revista.

É um mistério insolúvel, ao menos para meus pobres neurônios, o público dessa revista. Quem lê esse lixo? Indaguei à dona da revista, que me respondeu docemente: ninguém lê, é só para ver as tendências da moda.

Eu não concordo (como de costume). Pessoas legais a utilizam dessa maneira, na melhor das hipóteses. Babacas ricaços vão atrás dos endereços das lojas para comprar as peças sugeridas. Essas publicações ainda contribuem para legitimar essa porcaria de indústria do luxo, uma excrecência por si só. Eu leio no banheiro, ou melhor, lia. Fiquei pensando nesse assunto, no porque dessa indústria do luxo existir...

Navegando por aí achei isso. Perto desse troço, a revista anterior parece feita para mendigos da Sé. Trata-se de uma revista que conta a história de produtos de luxo, e foi lançada para aproveitar o crescimento do mercado brasileiro nesse setor. A diferença é que o público alvo é o "segmento masculino de alta renda". Falam sobre iates, carrões, relógios ultra caros, bebidas, etc... A revista teria por nobre objetivo trazer um sentimento de exclusividade ao leitor. Visitando a página do tal Robb Report - que por sinal não poderia ter nome melhor- tem-se uma noção da parada. Aviões exclusivos, Rembrandts e o escambáu. É pra quem é rico MESMO. Tal filhadaputice só é possível nesse mundão maluco em que vivemos. Bilhões de pobres. Alguns ricaços andando de iate, avião, helicóptero. A "revista" Veja também já fez "matérias" sobre pessoas que se locomoviam em São Paulo de helicóptero, por conta do trânsito. Absurdo total.

Diante de todos esses fatos, só resta a barbárie ampla, geral e irrestrita. Porque ter um helicóptero é um ato de barbárie. É desprezar milhóes de vidas. É uma violência sem tamanho. Assim sendo, todo e qualquer assassinato, sequestro, extorsão, chantagem e o diabo cometidos contra pessoas ricaças detentoras de helicópteros, iates, mansões, Rembrandts e relógios de R$200.000 deveriam deixar de ser crime. Passariam a ser uma forma de obter o tal "sentimento de exclusividade" que os ricaços tem ao comprar seus mimos. Já pensou o Datena gritando? "Código de Hamurábi neles! Comprou um helicóptero? Sequestro-relâmpago!!! Iate novinho? Latrocínio! Põe na tela o caso do rapaz que sequestrou o dono do mercado!"

Depois ainda reclamam da violência. Quem vive num país como o nosso não pode ter helicópteros, iates e carrões se quiser viver em paz. Eles sabem disso, e blindam seus carros, suas casas, contratam seguranças, compram a polícia, a justiça e o que mais estiver a venda. Viajam para praias exclusivas, moram em condomínios fechados e fazem shoppings exclusivos. Promovem a barbárie a toda hora, todos os dias. E são vítimas dessa mesma barbárie.

Começo a achar que o Sussa tem razão. Demoramos centenas de anos aprimorando nossa tecnologia para chegarmos onde estamos. Esse é o máximo de desenvolvimento que alcançaremos. E, ao atingirmos o ápice, as "nossas" elites gastam seu tempo/dinheiro em iates e relógios de 200 paus. Os desprovidos não aceitarão isso por muito mais tempo. Em breve, reivindicarão um pouco disso tudo que esta aí, mas não está. Como não há iate pra todo mundo, não haverá pra ninguém. Todas as formas de governo atuais, todas as agências de publicidade, toda a imprensa, todos os juizados , tudo aquilo que até hoje garante e protege os abastados não serão capazes de nada. Dinheiro, muito dinheiro. É o que todo mundo quer. É o que todo mundo aprendeu a querer, lendo essas revistas, ou a Caras, ou a bosta da novela das oito. Agora aguenta.

A bárbarie vem e não há mais volta.

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