domingo, 16 de maio de 2010

O Projeto Ficha Limpa

Recebi de um grande amigo, já há algum tempo, o e-mail sobre o projeto ficha limpa. Embora, de início, seja muito fácil engrossar o coro dos que defendem esse projeto de lei, acho que não é uma boa ideia.

O principal argumento dos que defendem a lei é o de que ela impediria que pessoas já condenadas pela justiça pudessem ser elegíveis, o que, segundo esse pensamento, melhoraria o nível dos ocupantes do Legislativo e do Executivo, moralizando a política. Ora, eu não vejo como proibir que se elejam pessoas condenadas por determinados crimes possa significar, efetivamente, uma moralização política, pelo simples fato de que os futuros eleitos continuarão tendo todas as facilidades existentes hoje para roubar, desviar, corromper, fraudar, etc.

Sem um combate aos mecanismos da corrupção, qualquer um pode ser cooptado. Acho que não é necessário frisar que uma pessoa que nunca foi condenada pode, obviamente, já ter praticado atos ilícitos, sem jamais ter sido pega. A lei deveria se preocupar, por exemplo, em endurecer as penas existentes para os corruptores. Ninguém discute, na imprensa, o papel dos corruptores, das grandes empresas sonegadoras, das que ajudam a fraudar o INSS e licitações.

Quando se descobre um grande escândalo de corrupção, os holofotes logo se viram para os políticos, deixando a penumbra para as grandes empresas financiadoras do escândalo. É um tanto óbvio, onde há corrupção, há sempre dois grandes lados interessados. Os que irão facilitar a mamata - geralmente políticos ou funcionários públicos ligados a estes - e os que estão interessados na mamata - as empresas interessadas em prestar obras e serviços para o governo, a preço de ouro, por exemplo. Que as leis e a fiscalização sejam mais duras também com os corruptores, isso sim seria legítimo e diminuiria os casos de corrupção no Brasil.

Outro ponto é a excessiva judicialização do Brasil. Tudo é proibido por lei. Fumar é proibido, abortar é proibido, outdoor é proibido - ao menos aqui em Sampa - enfim, tudo passa pela letra morta da lei. Os espaços de discussão, reflexão e acordo mútuo são cada vez mais raros. A democracia, portanto, esta se tornando cada vez menos participativa. O Judiciário fica cada vez mais forte. E isso é um perigo muito grande. O poder judiciário, ao contrário do que a imprensa e os próprios juízes alardeiam, de isento não tem nada. Como tudo em qualquer sociedade, é exercido por pessoas que tem suas próprias convicções políticas, religiosas e morais. Logo, decisões políticas podem ser tomadas a partir de convicções religiosas, e assim por diante.

Portanto, quanto mais dependermos do judiciário para tomar decisões políticas, pior. O poder emana do povo, e o povo coloca no poder quem ele quiser. Na verdade, sabemos que a coisa não funciona assim, o querer do povo é influenciado por questões que não deveriam fazer parte de um estado laico, como a eleição de bancadas evangélicas. Também é influenciado por interesses das grandes empresas de comunicação de massa. Mas, em última instância, se mesmo com todas as campanhas anti-drogas e o combate ao narcotráfico, o povo quiser eleger um traficante para vereador, em tese é porque o considera mais apto a resolver os seus problemas do que o almofadinha da juventude do DEM. Isso é democracia. O resto é tentativa de manter o poder nas mãos dos mesmos que aí estão, há séculos.

Ainda há outra questão, fundamental. Recorre-se a uma lei, tida como de iniciativa popular - o Cansei também era de iniciativa popular? - para impedir que pessoas que foram condenadas pela própria justiça possam se candidatar. Há um paradoxo nessa ideia. Quando alguém é preso, há razões para isso. Ele desrespeitou leis que o levaram à prisão. E há propósitos para o cumprimento da sentença. Um, é punir o indíviduo. Outro, é o exemplo que é gerado para os outros cidadãos - "- Olhem o que acontece com quem não respeita a lei!" - e o último, pelo menos no Brasil, é recuperar o infrator. Oras, a partir do momento em que não se tem confiança alguma de que o infrator irá se recuperar, faz-se uma lei impedindo que ele possa se eleger. O paradoxo é que não se confia na Justiça para uma coisa, mas recorre-se a ela logo em seguida, para remediar a primeira. Não é compreensível. Ou a justiça funciona, e punimos e recuperamos os infratores que servem de exemplo de como não agir para o restante da sociedade, ou a justiça não funciona. Se não funciona, que não se recorra a ela, em seus mesmos termos.

Para não eleger corruptos ou condenados, se essa for a decisão do eleitor, que ele vote em quem não é. A gente precisa, urgentemente, fazer política: conversar, debater, educar, cobrar os políticos que elegemos, denunciar as falcatruas na política e na imprensa e daí em diante. Sem isso, nada muda, com ou sem o ficha limpa.


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