segunda-feira, 8 de março de 2010

Educação em SP e a Greve dos Professores

É irritante ver a cobertura dada à greve dos professores de São Paulo. Irritante, mas previsível, sabendo a imprensa que temos. Alguns pontos chamam a atenção. Toda e qualquer cobertura jornalística da greve repete a ladainha de que as manifestações prejudicam o direito de ir e vir. O enfoque é, sempre, o trânsito, e as reivindicações dos professores se restringem, na fala dos repórteres, ao aumento salarial. Esses dois pontos são muito importantes, pois são interligados.

A estratégia utilizada para prejudicar o movimento e jogar parte da população contra os grevistas é repetitiva, mas não custa nada demonstrar as incongruências que permeiam esse discurso. Oras, o leitor mais desavisado tende logo a concordar que é um abuso um grupo de profissionais fechar uma avenida e impedir a passagens de cidadãos para pedir aumento de salário. Que o façam em locais onde o trânsito não seja prejudicado, dizem uns. Outros, mais exaltados, convocam a força da polícia militar para acabar com essa sem-vergonhice. Quem "compra" esses argumentos se esquece de que a educação de qualidade é um direito básico de todo cidadão brasileiro, e não deve ter como únicos defensores os professores estaduais. É óbvio, mas ninguém diz. O problema da educação diz respeito a todos os brasileiros - nesse caso, paulistas. Se a sociedade civil dá as costas para a educação - e aqui podemos colocar no mesmo cesto a própria imprensa, o ministério público, pais, universidades, e demais "formadores de opinião" - nada mais justo que fique parada no trânsito enquanto os professores protestam. Eu diria que é uma medida pedagógica. Enquanto for preciso, o movimento terá de buscar visibilidade, e nada melhor do que a av. Paulista para isso.

Quanto às reivindicações, é óbvio que não são "apenas" salariais. Mas poderiam ser. Em nenhuma outra greve se vê qualquer reivindicação que beneficie, diretamente, os usuários dos serviços prestados. Em que greve, por exemplo, os carteiros reivindicaram diminuição do preço dos selos ou do sedex? Nenhuma, óbvio. Na imensa maioria das greves, o grupo que se sente prejudicado pela política salarial e trabalhista da empresa - quando da iniciativa privada - ou do governo, para justamente para pedir aumento salarial ou melhorias nas condições de trabalho.
A greve dos professores defende, além de melhores salários, formação continuada ao invés de prova de mérito, concurso público no lugar de provinha para professores eventuais e daí em diante. Todas essas questões são omitidas ou transformadas em corporativismo pela mídia e pelo governo. Ficam com a ladainha do aumento salarial para fazer com que os professores pareçam estar lutando "apenas" por dinheiro. Deveriam aplaudir uma categoria que, apesar de tudo, continua denunciando o lento e gradual processo de privatização e precarização dos serviços públicos essenciais que o governo Demo/Tucano vem implantando nos últimos anos.

Outros ponto importantes esquecidos pela imprensa e distorcidos pelo governo:

Prova do Mérito: pra quem tá por fora, a prova do mérito foi instituída pelo governo Serra para, nas palavras do secretário Paulo Ranato, premiar os melhores professores, aqueles que estudam e se preparam(!), com aumentos progressivos dos salários mediante avaliação. Mais uma vez, é uma medida que parece ser benéfica para a educação, mas não é. Vejamos se isso é verdade. Primeiramente, vamos supor que o projeto seja relamente bem intencionado, e premie os melhores professores. Ele já começa se afastando dessa ideia, uma vez que limita o aumento salarial aos 20% melhores. Mesmo que todos os professores tirem nota 10, apenas 20% receberão aumento. Não é muito justo, não é mesmo?
Mas o problema é mais profundo do que a limitação do aumento aos 20% melhores. Primeiramente, por não ser possível afirmar que uma prova, com uma bibliografia específica, possa avaliar quem é ou não é bom professor. A própria bibliografia da prova do mérito diz isso, com a autora Jussara Hoffman. Vejam o paradoxo: uma das autoras indicadas na bibliografia de uma prova que se diz de "mérito" escreveu que seu mais conhecido livro, "Avaliação, Mito e Desafio", "(...) tem por objetivo desafiar o mito da avaliação classificatória(...)". Eu acho isso muito engraçado! Ou o governo é muito mal intencionado ou as pessoas que foram pagas para fazer a prova têm um senso de humor refinadíssimo! Acho que são as duas coisas ao mesmo tempo...
Ademais, mesmo que uma prova pudesse avaliar quem é ou não bom professor, essa já teria sido o concurso público pelo qual todos os professores efetivos tiveram que passar. Por fim, mesmo sabendo que uma prova não serve para classificar o quanto as pessoas são ou não são competentes, seria mais justo haver tal prova caso as condições entre os professores fossem as mesmas. É muito fácil um professor formado em universidade pública, portanto em tese com melhor formação que os demais, tirar a nota mínima da prova, assim como aqueles que moram mais perto da escola, os que tem uma condição de vida melhor, não tem filhos, possuem mais tempo para estudar, etc... Como o próprio estado não prepara os seus professores, dando condições para que esses estudem na própria escola - como qualquer empresa faz com seus empregados, que acabarão beneficiando a própria empresa com seus estudos - não é justo colocar nas costas dos profissionais a culpa por uma má formação ou pela omissão do Estado.

Prova para os temporários: essa é uma excrescência só. Através de uma prova - olha a Jussara Hoffman aí de novo! - os professores não concursados são avaliados e escolhem suas aulas de acordo com a nota. Outra medida que parece benéfica, mas não é! Não o é pq institui o trabalho informal no próprio estado, outro paradoxo, já que o poder público é quem deveria zelar para que isso não acontecesse. Explico: os professores não concursados dão aulas no Estado de São Paulo, mas não tem nenhum direito trabalhista garantido. Se tirarem uma nota ruim na prova, vão para a rua com uma mão na frente e a outra atrás. Ora, qualquer beócio sabe que o trabalhor da iniciativa privada, com carteira assinada, qdo demitido, pode requerer seguro desemprego e tem direito ao FGTS. O estado não dá essas proteções aos seus empregados, mas em contrapartida oferece (ou melhor, oferecia) estabilidade e atendimento médico conveniado, o Iamspe. Pois vejam que situação a da Mariazinha: Deu aulas durante vinte anos no estado e, sem formação continuada, não foi bem na prova dos eventuais, prova essa que, descobrimos com a Jussara Hoffman, não prova nada! Tudo bem, em nome de uma suposta melhoria no ensino, o governo decide que Mariazinha não mais poderá dar aulas no Estado, e pronto! Ela vai pra casa com uma mão na frente e a outra atrás. Durante esses vintes anos - ou trinta, dez, cinco, não importa - Mariazinha trabalhou no estado e recebeu seus proventos, tudo conforme a lei. Sem mais nem menos, é demitida, e NÃO TEM DIREITO A NADA! É a informalização do trabalho no serviço público, um absurdo! O governo, se quer se desfazer dos professores eventuais, que o faça da maneira correta: através de concurso público. Aqueles que não forem aprovados devem receber formação adequada dentro da escola, ou receber o FGTS que um trabalhador da iniciativa privada receberia, abrindo mão de seu INSS. É o mínimo que o governo deveria fazer. Mas engana-se quem pensa que essa situação serve para melhorar o ensino. É apenas pano de fundo para precarizar ainda mais os professores não-concursados. Vejam, aqueles que entrarem na rede agora, sem concurso público, através da nota da provinha, não tem direito ao Iamspe e serão desligados sumariamente do cargo caso faltem 3 vezes no ano. Não poderão ministrar aulas no ano seguinte, pois isso configuraria vínculo trabalhista. Mais um paradoxo do desgoverno do Estado. Demite professores e os deixa sem direito algum no mesmo instante em que aprova uma lei não permitindo que os próximos professores eventuais tenham qualquer vínculo. Assume, assim, que esses professores demitidos tem sim vínculo com o governo, mas não se compromete em nada com eles. Um absurdo total! Lembrando aos incautos, que acham que esse problema atinge apenas algumas escolas, que os professores não concursados passam dos 100 mil! E o governo abriu concurso para 10 mil vagas! É ridículo...

Já falei sobre as apostilas no post abaixo, que é só mais uma maneira de retirar a autonomia dos professores e maquiar os resultados do Saresp.

A escola de formação de docentes é um embuste, pq dura quatro meses, qdo deveria haver formação continuada para todos os docentes.

Finalizando, pra quem conseguiu chegar até aqui, as propostas tucanas para a educação não poderiam estar mais equivocadas. Acredito que demonstrei algumas das incongruências dessa política enganosa e danosa. Por falar em política, é claro que a greve é política. É CONTRA a política do tucanato para a educação de São Paulo. Portanto, a favor de uma política educacional mais inclusiva e humana, que realmente ofereça as condições para que todos os professores possam ministrar aulas de qualidade.

O governo Serra/Paulo Renato deveria fazer como os bons professores, que utilizam suas avaliações para descobrir o que não conseguiram ensinar direito aos alunos, revendo seus procedimentos. No caso dos dois tucanos, deveriam mudar a forma como vem gerindo a educação.

É isso!

Abraços!

Um comentário:

  1. Penso que esteja aí uma das mais consistentes análises dos problemas que a Educação paulista tem vivido, sobretudo nos anos de governo Serra.
    É verdade que o trabalho de outras categorias, dentro da escola, já tentou ser precarizado. Há alguns anos, as APMs (Associações de Pais e Mestres) eram usadas como "laranjas": contratavam, em nome da Secretaria da Educação, funcionários para as escolas e os pagavam com verbas que a Secretaria de Educação repassava para elas. Quando havia qualquer pendência trabalhista entretanto, o "funcionário era da APM" e o problema, portanto, era dela. Até hoje há escolas que pagam os "parcelamentos" de dívidas trabalhistas assumidas naquela época...
    Depois que o Ministério Público interferiu nisso, a Secretaria de Educação deu um outro jeito: arranjou cooperativas para "mediar" a contratação de funcionários de limpeza e merenda... Novamente deram com os burros n´água, porque as empresas "davam o calote" nos funcionários e a pendência ia prá Justiça do Trabalho.
    Agora, pelo menos na escola onde trabalho, assumiu-se a "terceirização" do serviço de limpeza - e, novamente, vemos funcionários mal pagos, circulando pelos corredores. Digo isso porque, em geral, nas terceirazões, por um funcionário que ganha R$ 500, a empresa terceirizadora recebe um repasse de pelo menos o dobro.
    O dobro para ser a mediadora entre o trabalhador e o Estado!
    Agora as novas vítimas são os professores: os temporários, que não foram concursados - até porque o último concurso de professores (para todas as áreas e não para algumas) aconteceu em 2004.
    Isso é uma tática de contenção de custos, às custas da exploração das pessoas... Segundo declaração explícita da ex-Secretária de Educação: o professor temporário custa menos! E se isso acontece, é só usar e descartar...
    Vários anos sem concurso... vários anos sem cursos de formação continuada... Isso mesmo! Desde que o Governado Serra assumiu o comando, não há mais formação continuada para os professores. Como só as ações de marketing interessam, criou um curso de Pedagogia, semi-presencial, para professores em serviço. No dia da "aula inaugural" deste curso, declarou: Estamos diante do Curso de Pedagogia do Futuro!
    A formação de professores, por esta lógica, deverá ser assim: a mais barata possível! Professores formados a partir de vídeos, "profundas discussões" na internet e que, por sua vez, irão garantir que as classes populares, que frequentam as escolas públicas, continuem "contidas", mal formadas acreditando na ordem estabelecida. Se esta é a "Pedagogia do Futuro", eu imagino de que forma sinistra este futuro vai se configurar...
    Luciana Rizzi

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